28 de ago. de 2010

"recebendo kate moss" crônica minha publicada na revista junior#20 deste mês de agosto.


recebendo kate moss

hugo guimarães


Ás vezes me sentia como parte de trigêmeos siameses gays. Alemão, Hans, pronunciado como “hanshsh” um chihuahua dizendo “hanshsh” na minha boca pequena.
Meus dois irmãos gays grudados em mim eram os mais felizes exemplos da homossexualidade que já vi. Percebi então, que nasci sozinho.
Habitei a parte mais escura do útero. Meus irmãos cresciam se tocando embaixo de cachoeiras de proteína e suas cabeças não desgrudaram quando nasceram e eu só os carregava no corpo. Os garotos ganhando luz neon e todos aqueles gritos me disseram que eu começava uma vida quieta.
Então comecei a tocar o mundo com os pés com meus irmãos como uma centopéia enquanto pessoas tinham garotos gays esmagados embaixo dos sapatos por que não queriam ouvi-los. Mas meus irmãos gritavam, eles riam tão alto que eu não podia processar tanta empatia.
Meu coração murchava. Temia que pudesse cair como um nariz canceroso de um corpo, tendendo a ser uma peça morta balançando, um irmão morto, tendendo a acabar com a felicidade. Então, eles olhariam para mim.
Desisti de falar.
Temia por meus irmãos. Uma carnificina - É como as pessoas enxergam gays se conectando. Mas já somos uma carnificina grudada, elas não precisam imaginar nada pior. Nossos assassinatos não seriam feios. As pessoas só se livrariam de nós para evitar em ser o próximo molestado, parodiado, tocado, recrutado... Mas iria doer.
Eu vivia nessa carnificina ate encontrar Kate Moss. Até eu começar a observar o parto de Kate Moss. Até eu começar a me confundir sobre como eu queria ser tocado pelas louras robóticas da TV. Eu só sabia que era crime colorir meus cabelos.

Eu vivia uma vida heterossexual quieta comigo mesmo. Tentava empurrar minha alma fantasmagórica e coagulada pelas minhas entranhas abaixo, por que ela se alimentava da felicidade dos meus irmãos. Eu só queria mesmo nascer de novo em outro corpo observando o corpo da Kate ensangüentado e bizarro em um parto de um adulto. Era como ela estava vinda a mim.
Eu disse adeus para os meus irmãos. Eu disse adeus para minha mãe e disse a ela para limpar a sujeira dos sapatos por que eu não precisava cheirá-la para saber que é ruim ser gay.
Eu estava iluminado por raios de fogo enquanto via o castelo queimar. Sua mãe rastejando em fuga por ela não ser necessária mais, por ela estar nascendo somente das luzes.
Chovia dentro de mim. Meu lago azul e invernal no estômago a esperava para que pudesse se lavar, se esfriar, boiar.
O parto era tão vagaroso e iluminado como o elevador quebrado da torre Eiffel. Todas aquelas luzes dando a vida e fios a nutrindo e queimando algumas de suas partes com açúcar escuro.
Ela crescia. Desgrudava-se grandiosamente como a lua de queijo perdendo um pedaço.
Seus finais banhos de sangue fizeram em me sentir impossível... Quando ela se levantou monstruosamente, imponente como Nosferatu, eu era insignificante... É como uma garota senta em você.
As fumaças pretas finais, os cometas. Eu estava familiarizado quando ela matou sua mãe. Mas quando eu finalmente a vi por completo, eu ainda tinha um corpo.
As estrelas começaram a explodir e ela estava virando ouro. Olhando para os meus olhos em lágrimas como rabos dos cometas, ela disse:
– Você precisa se libertar, não pode ser um veado imbecil.
Cristo andava sobre as águas e Kate movia os braços:
– Venha comigo... Venha comigo...
Eu não esqueço aquele dia. Eu tinha uma faca de cortar bois no meu bolso e eu podia me separar dos meus irmãos gays. Eu podia fazer um vale de sangue abaixo daquelas montanhas de carnificina que eram nossos corpos e finalmente todas as lágrimas de gozo desceriam do topo com o verão amarelo como uma garota.
Kate se vestiu quando a manhã chegou e olhava pela janela.
O tempo passou tão rápido quanto o tempo em que uma garota vai embora.
Eu decidi não usar a faca de cortar bois simplesmente por que eu não posso matar a mim mesmo.
Kate sacou seu batom vermelho e ele se tornou seu companheiro. Ela disse que não podia sorrir ou não podia sorrir para ninguém que não se matasse por ela. É por isso que você a observa assim.
Eu deixei Kate ir e me tornei um veado para sempre.

"recebendo kate moss" faz parte do meu livro inédito de contos que estou quase terminando e ainda não estou certo do título. ele estará pronto em tempo de ser inscrito no prêmio sesc de literatura deste ano.

21 de ago. de 2010

POESIA GAY UNDERGROUND: HISTÓRIA E GLÓRIA

"impressões interiores"
matéria de edson pielechovski sobre meu primeiro livro "poesia gay underground: história e glória" de 2008.

Quem era aquele moço semi-nu na resenha da Mix Brasil? Poesia ainda era algo estritamente diletante antes que meu primeiro e-mail lhe fosse enviado, solicitando seu trabalho. De vez em quando eu recebia edições independentes de seus peculiares versos que, agregados a escritos inéditos, culminaram no livro "Poesia Gay Underground: História e Glória" - lançado pela coleção da DIX editorial, da editora Annablume.
Como todo bom artista, biográfico, ele tem estilo às vezes elegíaco, ou escatológico...
Foi no ano de 2006 que comecei a acompanhar sua paidea interior de personalíssimos frames. Procurei sempre não me ater apenas a seu aspecto gay, pelo fato d´eu não escolher minhas preferências culturais segundo os rizomas classificatórios que emaranham patrimônios intelectuais de maneira que muitos leitores deixem de considerar material de qualidade. Hugo Guimarães perpassa o gênero LGBT com uma complexa designação narrativa, bem resolvida, objetiva e pouco barroca. É nesse ponto que, provando ser um poeta que transcende em vida - segundo ele próprio diz em um de seus poemas - ele classifica e modifica as coisas ao seu redor, sempre atento ao que deixa guardado para um documento futuro, quando os signos em questão estiverem pasteurizados no resultado final do leite de suas ruminações, mesmo que ele diga já ter bebido todo o conteúdo possível...
Sua divertida e aderente maneira de expressão pode ter seu lado mais profundo despercebido. O que ele tem de tradição e ruptura é uma voz blasé, de beesha ativa (literariamente falando), decididamente pragmática - nisso semelhante a da portuguesa Adília Lopes; voz essa que, sempre rebelando-se contra cada verso anterior, surpreende e enterra uma idéia que nem chegou a esfriar, embora ainda formalmente ligada à proposta geral do corpo do poema (93% das vezes uma mini-estorinha).
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"Eu pus uma garrafa no meu cu
Para se uma mente suja tentar
Dizer alguma merda
O som morrer.
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Meu cu viajou para um lugar longínquo
Eu disse que ele era um planeta morto
Mas agora eu digo que ele só está em processo de beleza
Ecoando, sozinho e lindo."

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Sem prejudicar a compreensão da leitura, a duração dos poemas reflete o suicídio involuntário da moral, como se estivesse de cabeça pra baixo, aquilo que uma vez o poeta disse ser impressão interior é na verdade a derrocada de arquétipos aceitáveis em uma sociedade hipócrita. Como sob uma pele de pobre mística, que vai sendo arranhada e marginalizada, vemos o esqueleto de sua libertadora, construtiva rima interior, bem-humorada e jamais fosca. Nem mesmo seus pais escapam, um tema recorrente, como se estes fossem os filhos, analisados e redirecionados, sem pudor, a uma superação trágico-cômica que usa e abusa do Édipo, ao longo de raríssimos constrangimentos. Resolutamente lamentado, o patriarcalismo é visto através de fracassados sujeitos sob um céu de estômago. Hugo está longe de se sentir culpado por um amor mal-consumado. Nessa particularidade o artista mais do que nunca demonstra que, embora ainda muito jovem, já está acima de qualquer suspeita formado em base firme. A problemática familiar não tem a gravidade sugerida e sutilmente camuflada nos dramas pessoais que tanto adoram explorar e (semi) divulgar relatos da vida real no labirinto do desejo do ego. O amor é tratado em diversas camadas, (como nos graus de 1 a 5, segundo a psicologia) Hugo Guimarães não só sabe que todo homem tem tendências homossexuais, como também ri e cobra por isso. O tesão mais enrustido não lhe escapa, sendo arrombado e repercutido em todos os outros teores sexuais ainda idealizados, porém já antecipadamente fadados em seus amantes.
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"Pit boys
Vão me espetar numa cruz
Vou gozar mais
Ou menos?"
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A frustração não deixa-se seduzir por um alegre pessimismo, saudável: nesse ponto encontrando uma espécie de iluminação nietzschiana, estabelecendo um lugar comum aos famigerados e ridículos apelidos a um derredor de ratos, TV, sadismo, peixes, perspicácias dos intuitos aspirantes ao sucesso... tudo visto por olhos que, sentados e tranquilos, como num trono, vão ordenando o desfile das ilusões rumo ao abismo.
Poderia ser um bestiário fisiológico a contribuição de seu chocante álbum de imagens. Segundo o que já disse uma análise anterior, seu bom gosto não crê na etiqueta culta e ascética. Sendo almodovariano, inusitado, ele cria culinária nova.
O sabor e o peso do concretismo é seminal, gelado, levado nas costas, quando ele não está a doá-lo aos garotos ao contrário (falsos heteros); drenando, secando e petrificando-os o poeta se vinga dos baixos graus de homossexualidade com uma fina malícia subtextual às coisas mais prosaicas e/ou rotineiras, como um simples chek-up.
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"Eu disse à mama 'tchau' e ela disse 'boa sorte'
Eu fui ao médico e ele era lindo
Ele era gentil, ele tocou meu joelho
E eu disse 'quer casar comigo?'
Ele estendeu sua mão e me disse que a vida é linda"

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Se vemos o mais alto grau de afetação típico das bibas que freqüentam a buatchy A Loca, Del Candeias poderia cair de amores e introduziria o ainda pouco conhecido poeta no mundinho literário em uma jornada pelos tipos mais bizarros da noite urbana...
Seu lado espiritual também é exercitado, andando com um "cavalo no pescoço" - Platão lhe segue, todo arregaçado. Abusando e logo descartando as figuras de Jesus Cristo, Lúcifer, Bob Dylan... Todas suas influências o acompanham de modo pouco óbvio, tanto é que sua escolha por um cardápio mais carnal e auto-narrativo oferece um passado literário, como em filmes de terror e rock n´ roll, apenas na forma de mera colagem contribuitiva, entendendo o "cavalo" no sentido nagô/ iorubá/ caboclo sem explorar o total uso dessa entidade em pastiches psicográficos de um paladar lingüístico já inadequado e rapidamente arcaizante das escolhas e montagens imagéticas exteriores.
Ocultando e digerindo os já manjados mecanismos de sistematização da vida poética em um novo, pós-moderno e desbravador EU lírico, trilhando uma promissora e renovadora voz que, tendo rompido até com seus pais, é acompanhada na sua busca no decorrer do livro, aqui não há a simples e recorrente falta de escrúpulos e fé: ele vai além da formalização de acidulantes paganismos estéticos, a desenvolver desse modo uma doce crueldade no ponto G para o sincero envolvimento meta-pessoal com o leitor, afiado na perfilação de elementos e estados de matéria, devidamente assimilados e citados ao meio de uma proeza orgânica de relacionamentos brutos.
Além de ter a herança artística no pescoço; o óleo no ar; o cérebro de ar; o rato no cu; o cu verde; o já comentado sêmen de concreto; a vagina nos olhos; os joelhos secos; guitarras masturbadas; bonecos de lama; junto com os garotos ao contrário e os pit boys aparecem os garotos migrantes, os garotos pop, cocô; a história do pau...
Há de se notar também um clima teatral em suas questões e jogos de relação fetichista, os heteros e o mundo normal são vistos por um crivo de observações neo-rodrigueanas, deixando passar apenas os segredos sexistas (-por um triz-) e as despóticas-afetividades, esquecidas de bom relato há tempos na literatura brasileira; enquanto a maioria dos poetas insiste e esforça-se pra esconder seu lado inadequado, ele faz questão de armar cenas que exageram periculosidades sentimentais com uma mordacidade que Ana Rüsche ainda não foi capaz de exprimir, prestes (e para a alegria das diferentes opiniões) a desfazer-se perante a bondade pueril de aguardada aproximação alheia...
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"Reage meu assalto
Aperta meu saco
Eu escovo seus dentes
E misturo pasta quente
Quase caindo da sua gente
No teu punho tem corrente.

e aperta minha mão
Aberta minha mão.
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Eu vou entrar
No seu lugar"
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O que consta parecer uma rima óbvia e fácil é desculpada pela distante verdade; perto dele ela é recebida com carinho e com a possibilidade de transformação que todo espírito aberto às solidões alheias pode aceitar, lançando à extremidade de seu pensamento trocadilhista uma maleabilidade de relação com o outro, a ressaltar assim pontos positivos em vantagem à poesia trancafiada das geografias abstratas, que não dispõe de saídas em um mundo pessoal penoso, exagerado, glamourizando a dor. Por isso Hugo Guimarães não se afoga em típica afetação, não sufoca sua riqueza vocabulária com um vazio exteriormente existencial. Lendo todo o livro nota-se uma progressiva melhora e abertura do gênero em que ele escolheu lançar-se.
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"É noite na água
Eu odeio salva - vidas
Sexo não salva
A queda de uma rocha no mar"

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Tomara que ele não ceda à armadilha de cair na própria caricatura, de maneira que possa continuar evoluindo sua arte.

edson pielechovski.

ps: edson também divulgou na matéria, o endereço do meu antigo blog> http://www.hugorguimaraes.blogspot.com/

15 de ago. de 2010

V CONCURSO DE POESIA FALADA ESPAÇO PARLAPATÕES

    aqui estou eu escrevendo em meu segundo blog (sempre em letras minúsculas). o primeiro, "35", durou três postagens. estive ontem declamando no v concurso de poesia falada do espaço parlapatões, na roosevelt, centro de sp. estive lá no ano passado com meu amigo gustavo vinagre e conheci outros poetas legais como rui mascarenhas e analu andriguetti.

   esse ano fui bem animado para a minha primeira leitura pública do ano, mas o resultado foi algo que eu poderia definir como 'parlapatacoada' mas não vou dizer isso porque levei meu amigo leandro perez, que acabou levando o segundo lugar por seu poema "cesariana, meu bem". bom para ele que é um poeta bom, cheguei a conclusão que não sou um poeta bom, mas um poeta único e isso não é atrativo para concursos, prêmios e blablabla.

   leandro também está organizando o "sarau da ursa" um sarau só para poetas homossexuais masculinos, o qual espero que será um evento bastante interessante. voltando ao concurso, ao pouco populoso concurso, fui o quarto a subir no palco para ler o meu "dizendo não". fui o primeiro poeta a desejar boa noite á platéia. li melhor do que no ano passado, quando li tremulamente meu "boa noite". nada relevante... preferiram premiar como melhor interpretação o homem mais sexy que subiu no palco, que estava sem cueca e declamou um poema sobre pássaros com seu passarinho marcando a calça... achei válido. como melhor poema, foi premiado um cara que declamou enquanto eu estava no banheiro. o júri popular premiou um senhor que declamou profeticamente, belamente, em alto tom, um poema irrelevante. fiquei feliz por ter levado o leandro, meu amigo, que foi parabenizado depois do evento por uma das poetas, que também me disse que meu poema era "depressivo". o evento foi depressivo, feita exceção os "pássaros": passei boa parte do evento notando a volumosa mala do assistente de palco. abaixo o meu "dizendo não", um dos melhores não-premiados da noite:

“Dizendo Não”


A sociedade disse ‘não’ para mim de novo
E eu disse ‘não’ para ela
Eu digo ‘não’
Em dobro

Eu fico muito fraco tão cedo ás manhãs
Meus amantes e meus ídolos dormem em lã

Eu fico muito decepcionado
Nessas roupas formais
Se você me perguntar quem eu sou
Não vou ter o que dizer, mas
Que o Hitchcock não me filmaria
Porque estou torto e amassado

Não sou eu
Me sinto muito mal
Por que a sociedade não pode
Desistir de desamassar?
Porque os rebeldes não podem
Ajudar o país a rastejar

Até podem, só os livres
Tão fraco e triste
Eu fui de novo para a estrada
Um longo caminho até Bill Gates
E uma última chance da sociedade
E não tenho pena
E chance de mim mesmo e me disse‘não’
Punk é utopia
E meu mundo empobrece e toca as minhas mãos

E eles disseram ‘não’ para mim em dobro
E eu disse ‘não’ ao quadrado
Talvez eles viram de novo
Meu coração amassado

Então eu fui para a marginalidade
Procurar meu velho príncipe no sexo sujo
Humilhado, eu voltei para casa
Com a camisa para fora das calças
Dizendo ‘não’
Não.