7 de dez. de 2017

PRÉ-NATAL DE LÁGRIMAS

Eu tenho cento e setenta comprimidos de lítio cuidadosamente guardados. Olhei para eles e pensem em usá-los por causa de merda. A questão da sujeira toda no meu lençol branco também foi levada em consideração. Estudei um pouco a morte por lítio. Primeiro a diarreia e o vômito, depois os espasmos, rigidez nos músculos, urina em abundância para aí sim, o coma e a morte. Uma fralda geriátrica poderia facilitar as coisas ou apenas me jogar do nono andar da empresa onde trabalho no dia seguinte, o que seria mais rápido e mais fácil.

Merda porque eu mesmo disse que era merda. Mais ou menos dinheiro por um cargo em logística. Me peguei me desaguando em choro por uma empresa que me pagaria mais, mas me recusou por eu ter um diploma de tecnólogo e não de bacharelado. O 141 não atende o telefone. Eu não tinha ninguém para conversar. Pensei até em tentar conversar com o garoto que estou apaixonadinho (sim, outro garoto), mas seria patético demais. Eu disse a ele “Bom ter um crush platônico nesse momento, não?” e ele disse de volta:

Burn
The witch
The bitch
Is dead

 Sabe o que acaba com essa merda toda? Dois comprimidos de rivotril com risperidona e lamotrigina e deitar bem gostoso na cama. Ameniza qualquer situação. Sim, eu deixei o daimoku.

Guardado por seis meses em um arbusto, tomando chuva, coitadinho, meu dardo sumiu por dois dias. Cortaram um pedacinho dele com a serra elétrica ao contar os arbustos, mas ele sobreviveu até que bem. Durante a suspensão da FFLCH, cortaram um pedacinho meu com uma serra elétrica também, mas é tudo questão de arrumar um soldador agora. Sim, a FFLCH me aceitou de volta. Estou treinando com eles há uma semana. Tudo o que eu preciso é de um bom soldador agora.

A merda é que eu não me dediquei á carreira de logística como meus colegas de faculdade, que ganham muito mais dinheiro que eu hoje. Lá em 2003, eu achava que ser famoso pela minha arte era uma questão de tempo e aquela faculdade era só um meio de jogar voleibol com frequência e arrumar bastante confusão. Meu melhor amigo daquela época abriu uma transportadora, tem casa, casou-se, teve filho, virou um fascista e por isso cortou relações comigo. E eu moro em um quarto com varanda alugado na vila mariana tentando entender e aceitar que eu não fiquei famoso e agora não dá mais para voltar no tempo para consertar as coisas. Mas sabe do que eu preciso mesmo? É de um bom soldador.

Faltam poucos dias para o natal, mas esse ano não estou tão tocado assim. Estou há duas semanas no novo emprego. Quero ir embora de lá. Mereço mais. Tudo o que eu queria era colocar um twink em um saco vermelho e sair carregando ele nas costas até meu quarto alugado com varanda. Você sabe, é só de um bom soldador que eu preciso.



Vamos ler agora um trecho do meu romance inédito “Igor na Chuva”, que fala sobre o natal:

“Mais um segredo: eu adoro o natal. É uma luz, um sentimento claro, plácido que não vem de cristo, não se culpem por isso. Só coisa ruim vem de cristo, como sofrimento, dor, culpa e fome. Também não é só sobre comprar coisas o natal, pois evito o consumismo, especialmente no natal, eu só me encanto com as luzes, as luzes. O natal nunca será negro, cristo nunca será aceito como negro. As luzes são claras. Ninguém produz artigos de natal com personagens negros. O papai Noel é branco. Cachorros labradores poderiam puxar o trenó, mas renas brancas é que puxam. O cristianismo é uma das mais antigas demonstrações do racismo. Um enfeite artesanal sorriu pra mim e eu sorri de volta. [Deitei sobre a montanha de artigos por alguns minutos. Para descansar. Adoro descansar. Até mesmo por dez minutos após o café da manhã. Mesmo sabendo que vou me atrasar por isso, faço. Mas dessa vez não importa, sei que vou chegar á universidade, mas ás vezes o descanso me desmotiva. Queria ficar aqui. Estou sonhando. Sonhando com o cara alto e seu cachorro grande (será que levam cachorros para passear na chuva?), esperando ele vir me salvar, colocar a coleira em mim e me levar embora, e deixar o cachorro perdido por aí. Estou tentando falar sobre humanidade aqui, me arrastar com o belo homem de trinta e oito por uma corrente pelo bairro de Pinheiros acima. Conte. Conte quantos músculos visíveis você consegue ver no meu abdômen. Seis. Ao menos seis. Isso não conta? Você não acha que pareço sexy aqui quase nu jogado nessa montanha de artigos de natal, tão abandonado? Estou desesperado que meu corpo vai desabar em dois anos e é por isso que estou com tanta pressa. Eu. Por mim mesmo, eu me levaria embora, cuidaria de mim mesmo. Mas não posso. E eu deveria ter aprendido isso desde que eu tinha vinte e poucos anos: viver sozinho, ser sozinho. Vendo o céu chuvoso com essa nostalgia, pensei que não pude. digo mais uma vez: acho que o mundo não vai acabar agora. Essa chuva vai durar um longo, longo tempo]. Uma rena de vidro soprado não parecia estar sorrindo, mas eu estava. Eu odeio minha irmã. Então meu sorriso se contorceu para baixo tão rápido: comecei a chorar de novo. Só nós cinco. Minha mãe, meu pai, minha irmã eu e a minha sobrinha. Aquele silêncio. Aquela TV infernal. Aquela mesa quieta. Aquele abraço falso. Daí, nós ficaremos um ano inteiro sem nos ver. Minha mãe, esperta e perspicaz como sempre, nos evita há dois anos. Ela vai passar o natal com suas primas chatas e nos deixa sozinhos: eu, minha irmã e minha sobrinha. “Nossa família é chata” minha mãe disse há dois natais atrás.”


o influente escritor Santiago Nazarian fala do meu livro novo e de mais dois escritores neste post: http://santiagonazarian.blogspot.com.br/2017/10/tres-gays.html

XOXO

18 de nov. de 2017

CIGARROS



esse texto podia começar na imagem acima, que explicava o estado da minha mente na noite de ontem, mas acho melhor começa-lo cronologicamente de trás pra frente. estou de volta com a Lebedeva para a minha casa na vila mariana, pois já consegui outro emprego. um agente logístico, uma multinacional alemã. não pagam bem. pagam o suficiente para o KFC, a Heineken, a academia, e a escola de música (se é que vou conseguir conciliar as duas coisas) e de vez em quando uma boa cocaína, de vez em quando um vinho do porto, mas não uma sauna de vez em quando, pois decidi me afastar dos homens por tempo indeterminado (adoraria que fosse pra sempre). Lucas, o alto Lucas disse que não quer mais me pegar. há um par de semanas ele chamou minha mãe de sogra... just like a man... daí fiquei na cama assim como Ana C, doente por causa de um amor homossexual mal sucedido. fiquei assim até ontem na casa da minha mãe questionando durante a forte chuva se eu ia escolher a vida ou se eu ia escolher a morte. a vida, era seguir ativo, fazendo coisas que gosto além de trabalhar, e a pós-vida ou a inércia, era só ir trabalhar e voltar pra casa pra chorar todo dia e não me suicidar para não desagradar o universo. a outra opção era a morte propriamente dita, me jogar de um lugar bem alto de uma vez, mas é tão difícil ter força de vontade e coragem para isso, sabe? se fosse fácil, eu já teria feito há muito tempo. ontem, eu dava minha vida como encerrada no assunto da mesa do café da tarde ainda na casa dos meus pais. ainda disse para a minha mãe: você faz orações para eu não dar certo com homem nenhum? (minha mãe diz me aceitar, mas ela mesmo disse que a homossexualidade nunca entrou direito na cabeça dela, ao se pegar criticando a Sandra de Sá por estar se casando com uma mulher).

vamos falar sobre a abreviação da vida de novo? dessa vez, pensei coisas novas. que se todos os suicidas vão "sofrer" juntos no mesmo lugar, então eu vou para o mesmo lugar que Ana C, Sylvia Plath e Kurt Cobain estão? não parece má ideia, não? por pior que esse lugar seja, deve estar cheio de gente legal com quem se possa conversar, ao contrário da vida que venho levando. segundo, não é possível afirmar nada disso, visto que nenhum ser morreu e voltou para dar notícias, para dizer se isso é mesmo verdade. porém se observarmos a crua natureza, veremos que realmente não é da natureza animal o suicídio. os animais vivem a vida até o final, caçando, se coçando, quietos. e se o homem não é um ser mais especial que qualquer animal, coisa que eu mesmo acredito, então essa é uma mensagem que os animais irracionais passam ao ser humano. Ou seja, é tudo muito confuso. o suicídio é uma questão muito, muito delicada, que venho tentando digerir há anos.

ao invés de seguir como Ana C na foto durante todo o final de semana por causa do Lucas, eu desci para a USP para lançar dardo e saí de lá com um lançamento de 37,67m com uma leve queima. incrível... três semanas parado e eu consigo fazer isso. creio que isso também tenha acontecido porque eu retomei hoje a minha técnica de corrida anterior (quatro passadas frontais e seis laterais), procurando manter o dardo alto, no nível da cabeça e no momento do lançamento, tentar mantê-lo perpendicular ao olho direito. Não parece fácil, mas com muita insistência, um dia acaba-se lançando quarenta metros, como fiz em agosto. volto a trabalhar no dia 23, o mesmo dia que termina minha suspensão da atlética da FFLCH. espero ter notícias boas em breve.

eu sei que você disse que era promíscuo, que nossa relação podia acabar de forma repentina, que eu mesmo passei o feriado da independência fazendo coisas como me prostituir, cheirar cocaína e ficar 24 horas sem comer, sei que nosso sexo não ia bem, mas eu tinha planos para melhora-lo, mas agora nada mais importa. ele disse adeus. e eu recusei a amizade, não preciso guardar meu dardo na casa dele, não preciso dele pra nada. já o bloqueei no facebook e no whatsapp e espero nunca mais ouvir falar dele. Assim como bloqueei o Antônio no facebook. ele me bloqueia no whatsapp e fica colocando coraçãozinho nas minhas postagens no facebook? ele que enfie no cu os coraçõezinhos dele. também espero nunca mais ouvir falar dele e. minha intenção de celibato começou bem. logo hoje, deixei um cara me masturbar no vestiário depois do treino...



bem, eu apenas deixei porque o tal cara tinha boas mãos, já tinha me masturbado outras vezes e só fiz porque era bom, não estava "quebrando" meu celibato. já excluí minhas contas nos aplicativos de pegação, por exemplo. aliás, homens são como cigarros, eles estão por toda parte e se eu nunca precisei de cigarros, então por que preciso de homens? é só uma comparação de vícios. 

XOXO

9 de nov. de 2017

QUARENTA DIAS

Faz quatro dias que minha mãe me buscou em casa para passar uns dias com ela, até que eu consiga um emprego novo. por mais que a casa seja grande, eu e meu pai não conseguimos dividir bem o espaço dela, então fico o dia todo preso no meu pequeno quarto, sem tv, sem música, minha gata Lebedeva veio comigo. eu poderia aproveitar a ociosidade para fazer coisas como ler ou ver filmes como o Lucas disse, mas o período de extrema apatia que eu ainda estou me recuperando me faz apenas olhar para as paredes e pensar muito no futuro, sobre a vida e sobre a morte. ás vezes rola um sonic youth ou um sugarcubes no meu iphone, mas a maioria do tempo é absoluto silêncio. parecem horas sabáticas e os quatro dias parecem já quarenta. 

ontem á tarde na mesa do café, estávamos eu, minha mãe, meu pai e minha sobrinha. sabe tinta de cabelo? se duas pessoas que você gosta muito dizem que uma determinada tinta de cabelo é boa, você não vai acabar usando? vai fazer porque confia nas pessoas e porque aquela tinta vai te trazer algum benefício, certo? então você acredita na tinta, por causa das pessoas que você gosta, e que são importantes para você. daí eu falei rapidamente sobre as teorias de nietzsche, de que só a terra é real, que o ser humano não é mais especial que nenhum animal e que nós criamos as religiões para tentar entender coisas que não devem ser entendidas. minha mãe me corrigiu dizendo que o budismo (que ela segue e que minha sobrinha também, recentemente) é uma filosofia, não uma religião. ao indagar a minha sobrinha sobre a origem do budismo, ela não soube explicar. mas lembra da tinta de cabelo? se minha sobrinha e minha mãe me amam e estão dizendo que praticar o daimoku é bom pra mim, por quê eu não posso adotar isso e acreditar que isso de fato possa me fazer bem?

começamos ontem. eu e minha mãe em seu grande gohonzon, começamos a meditar o "nam myoho renge kyo". ela disse que cada uma das mãos, uma representa uma energia boa e a outra a ruim e que juntas são mais fortes, por isso se junta as mãos na hora da meditação. não aguentei fazer por uma hora como minha mãe, que o pratica há muitos anos. ela entendeu e me deixou sair antes. ficou feliz que fiz a meditação com ela por uns minutos. desde então quando saio de um lugar, digo o mantra três vezes, e quando chego em segurança, digo mais três vezes. quanto mais dizer o mantra melhor, diz a filosofia. assim ele te traz energia. hoje, ao repetirmos, ela disse que no meio do gohonzon, naquelas letras japonesas, tem um olho, e que ele representa o equilíbrio, e é bom recitar o mantra olhando para ele. pretendo continuar. quando você começa a usar a tinta e vê que ela é boa, você não pára mais. essa é a ideia.

elsewhere 1:
não sei bem dizer se meu coração é fraco ou é sensível demais. estou começando a gostar do Lucas porque ele me fez falta nesses últimos dois dias. mesmo assim fiquei feliz com uma frase ontem e uma palavra hoje dele. estou com medo de cometer o mesmo erro de sempre: o de não entender que essas relações são baseadas na contemplação, não na possessão.

elsewhere 2:
talvez o daimoku já tenha trazido a primeira coisa boa: tenho uma entrevista de emprego segunda-feira em uma indústria química. vou lá fazer entrevista com o RH e testes de inglês e espanhol. até estudei um pouquinho de espanhol hoje. conseguir outro emprego logo é essencial para manter a minha liberdade e a minha independência.

elsewhere 3:
há dez dias estou sem treinar atletismo. me pus de castigo. determinei que não volto a treinar até conseguir outro emprego, o que deve coincidir com o fim da minha suspensão da atlética da FFLCH, que será no próximo dia 23. daí saberei se me aceitarão de volta para a equipe ou não. ficarei feliz se me aceitarem e quero que me aceitem, embora eu tenha fortemente questionado se quero continuar com o atletismo ou não. a volta para a equipe certamente dará um ânimo, mas se não me aceitarem, dificilmente continuarei. é muito ruim treinar sozinho. eu poderia continuar sozinho e competir em 2018 pela seleção da USP (é certo que serei convocado em duas provas) e as competições no master, mas treinar sozinho, de fato é muito ruim. posso até cogitar contratar um treinador para me acompanhar uma hora por semana e me dar instruções, posso fazer esse investimento, mas essa condição de estar "expulso" da equipe da FFLCH me deixaria bastante incomodado e desmotivado. Vi os resultados do BIFFE 2017 e eu teria facilmente saído de lá com duas medalhas novamente. A Letícia Machado, autora da denúncia que causou minha expulsão da equipe e minha suspensão da atlética não competiu. A Letícia Lucato, a co-autora da denúncia competiu de forma lamentável. A equipe masculina foi campeã geral, eles não precisam de mim e na realidade eu não preciso deles, mas por que não ficarmos juntos? por que não unirmos as forças?

elsewhere 4:
estou profundamente arrependido de ter chamado minha ex-gerente de "evanjeca" no post anterior. ela sempre foi muito generosa comigo até eu ter surtado há duas semanas. discriminação religiosa não é ok assim como Judith Butler é ok.

XOXO 

26 de out. de 2017

IGOR NA CHUVA 1




“Essa camiseta cheia de esperma seco nessa cama faz com que ás vezes eu me sinta mais ainda cansado e humilhado como ao ser espancado por um homem gay passivo; e o agravante do mal estar de me encontrar dando uma bela lambida na cabeça do meu martelo coberto de bronze. É... Uma bela de uma lambida enquanto abraço o cabo do martelo”.

Trecho de "Igor na Chuva", romance inédito de Hugo Guimarães.

***

vim escrever encucado porque o estagiário da empresa onde eu trabalhava até ontem, visualizou meu perfil no linkedin. eu costumo chama-lo de "teenage dream" (só para mim mesmo, claro). toda vez que o via, dizia com a mente "bom dia, teenage dream", "chegou cedo hoje, teenage dream?" se ia embora depois do horário: "vai ser efetivado rápido desse jeito, teenage dream". porém, teenage "dream" é uma descrição perfeita para ele. engraçado eu no linked in? engraçado é você vir falar comigo depois de ter me excluído no facebook sei lá por quê, engraçado é você entrevistar alguém, levar a pessoa para a cama e depois não publicar a entrevista. isso é o que eu acho engraçadíssimo. e não mandei o convite só pra você, mandei aquela maldita corrente que manda o convite para todos os contatos do e-mail. 
meu sonho de um metro e oitenta e dois pode ter morrido, mas o do salto triplo de treze metros parece mais possível depois que eu saltei 12,50m em agosto desse ano. fui treinar salto triplo depois de ter passado uma bela noite com uma realidade de um metro e noventa e três, que. me deu sexo, sono, café de coador e ovos para mim de manhã. além disso, eu posso dialogar abertamente sobre o transtorno bipolar com o Lucas. toma essa, sociedade.
voltando a primeira linha sou o mais novo desempregado do brasil. fui demitido de novo. graças a deus, como diria a minha gerente evanjeca. detestava trabalhar para aquele departamento desorganizado e a culpa é claramente da evanjeca. é o demônio, só pode ser o demônio naquele departamento. eu, meu bem, eu já peguei meus chifres e caí fora daquela barca furada. detestava trabalhar lá dia após dia. pois bem, levantei um dia da cadeira, fui para casa tomar um porre de remédios, fui parar no hospital e por ficar dois dias sem ir trabalhar aqueles escrotos me demitiram. parabéns. ou não. mais uma vez o que tenho a dizer é "eu era bom demais pra vocês" profissional para trabalhar pra vocês tem que ser gente idiota, quadrada e ignorante igual a muitos de vocês. acho que a catho deveria me oferecer uma assinatura vitalícia...

a sinead o'connor tratava depressão cantando, sabiam? então eu comecei a aprender a cantar há alguns dias. essa é a pior versão de "summertime" que você vai ouvir na sua vida, mas por enquanto, é a que eu posso :D


XOXO

15 de out. de 2017

ATÉ QUARTA SE EU ESTIVER VIVO

Até quarta que vem se eu estiver vivo. Foi assim que eu te respondi depois de você falar por noventa minutos, coisas que eu entendo, coisas que eu não entendo, coisas que acho bonitas, outras pouco possíveis. Citou Ana C. finalmente em sua aula de literatura brasileira VI, não? Que avanço; mas isso não me animou, só me lembrou que Ana C depois de publicar seus três ou quatro livros e fazer a maravilha de tese na cidade de Essex que você também vai usar como base nessa fase do curso, pois bem Ana C se jogou do oitavo andar aos trinta e três. Isso vem de Sylvia Plath, isso vem de muita gente, muita gente de saco cheio que não consegue tolerar tudo isso. Foi uma noite de muito questionamento, por isso não ouvi quase nada do que você disse. Disse a mim mesmo “pelo menos vá até o final desse ano, depois tire seis meses de férias dessa faculdade para pensar se ainda a quer”, mas eu nem sei se tenho forças o suficiente para vir quarta que vem. Já escrevi publiquei meus três livros, grávido do quarto e não, não vou fazer intercâmbio porque eu sequer tenho ânimo para ir esquiar em Bariloche, se quer saber; e quer saber, quer mesmo saber? Está para ser escrito um livro mais chato que Macunaíma, com aquela adjetivação extrema irritante. “Não se forma em letras sem ler Macunaína, gente” disse um professor gordo no terceiro semestre, assim como o Caetano Veloso sósia que me dá aula agora diz que não se deve se formar em letras sem ler o tal Grande Sertão e. quando penso na grossura daquele livro, tudo o que consigo pensar é arremessar ele na cabeça do Antônio. Se eu sobreviver até o final dessa matéria, não espere de mim mais do que ver o filme, em cores, com o Grande Otelo, que vou ver no youtube, não vou gastar R$ 17,50 para ver na mostra internacional de São Paulo deste ano, pois essa mostra é um dos raros momentos de lazer e prazer na minha vida. Aliás ainda estou esperando minhas notas dos breves relatos que fiz sobre filme e livro de “Vidas Secas” e sobre “Deus e o diabo na terra do sol” e Grande Sertão: Veredas. Breves relatos que fiz sem ver os filmes inteiros se você quer saber. Sabe por quê? Porque o cinema está tão enraizado no meu coração que eu poderia escrever sobre um filme vendo apenas uma cena, comparar com o livro lendo apenas um trecho, eu posso ter um cérebro pequeno, mas tenho um coração grande e é isso o que falta nesses cinzentos corredores do curso de letras da universidade de São Paulo. Quero ver, quero só ver a nota que mereço por isso.

Agora acabou, não é? Acabou o micro hype da menção honrosa que recebi do programa nascente da usp pelo meu romance “Drag por drag”, que já considero mudar o título para “Igor na chuva”. Escolhi a paciência dessa vez. Mandei para dez editoras, o Santiago está lendo, o Marcelino não quis ler, até para a Patuá eu mandei. Dois anos, se eu implorar bastante eu consiga publica-lo em dois anos por uma editora que o respeite. Não que não seja respeitável uma auto edição, como Ana C já fez, como Rimbaud já fez, como o próprio Mario de Andrade fez mas. Uma auto edição agora parece amarga demais, parece um atestado de derrota. O pior é que o livro é bom pra cacete. É comercial ainda por cima, é emocionante, é movimentado, flerta com literatura fantástica e não é livro de gênero, é literatura humana, vai de encontro a qualquer ser humano. Em dois anos também pode haver outros prêmios, outros editais, outras pessoas para conhecer e pessoas para conhecer o livro, eu tenho apenas trinta e dois, sou um escritor jovem ainda e sim. Posso fazer outra sinopse para o livro, outra bem melhor e Ah sim! Este ano ainda tem o resultado do prêmio Paraná de literatura em dezembro. Não acho impossível, só acho bem, bem difícil.


Quando o vento sopra

E o céu está escuro

Quando anseio

Por ver você

Quando o vento sopra
E eu me sinto triste

Penso na sua beleza

Será que está bem?

Você vive feliz?

Consegue ver o meu coração?

Por que minha mente

Ficou nesse estado?

Consegue ver meu coração?

Por que minha mente

Ficou nesse estado?


Canção cantada pela personagem Yonguee, no filme “Na praia á noite sozinha” de Hong Sang-Soo (Kor, 2017)

Agora acabou, não é? Estou pensando em não ir á terapeuta na segunda-feira porque estou com vergonha de contar pra ela do meu fracasso. Desde maio esse sofrimento, não? Estamos em outubro. Eu sempre lá manifestando meu amor e você sempre me dando falsas esperanças mesmo nunca querendo nada de mim, além de encontros sexuais em cada dois meses, no máximo. Em dias de semana, claro. Nunca fui bom ou bonito o bastante para te ver em um sábado, para ir ao cinema com você, para conhecer seus amigos, não; antes eu servia para te dar sexo e te esquentar em uma noite de quarta-feira a cada dois meses, mas agora nem pra isso eu sirvo mais. Agora você inventou uma desculpa para eu nem poder ir á sua casa, não? Agora nossos encontros serão a cada dois meses em um dos vestiários escuros do IQ, não? E depois? Vai evoluir a quê? Não vou servir pra isso também? Depois o que vai acontecer? Vamos nos encontrar a cada três meses na porta do IQ para eu engraxar seus sapatos? Agora acabou, não é? Espero que você não se arrependa por não ter tido a vontade de ter algo sério comigo, porque você não vai mais falar comigo e nem me ver, nunca mais. Você é a pessoa mais sonsa e sádica que já conheci e talvez você não tenha tido culpa. Você não é obrigado a me querer e talvez você nunca tenha me dado expectativas, eu é que me dei. Ás vezes, tudo e apenas o que precisamos é de um tapa na cara pra acordar, sabia? E você não quis me dar esse tapa, me deixou nesse estado por cinco meses. Acho que a fluência de imagens do cinema também ajuda com os flashes da vida para lembrarmos o que é ruim e o que é insignificante. Ao desistir de você, achei que não iria treinar no final de semana, que ia ficar jogado na cama, que ia trabalhar na semana que vem como um robô e todos perceberiam que haveria algo de errado comigo, mas tudo bem, a experiência dura noventa dias, há tempo para tempos ruins e daí me veio a imagem dos porres do meu ex-namorado, o quanto ele se comportava como um bebê e eu tinha de cuidar dele, lembro dele mastigando aquela droga daquela pizza barata me encarando, me desafiando enquanto eu fazia menção de cheirar cocaína na frente dele porque isso o irritava. E o que eu tenho agora é a minha liberdade. E pensei que não há porque deixar de ir ao treino e ficar jogado na cama por causa de nada. Afinal, eu sequer tenho um homem. Se você tem um homem, você fica jogado na cama por causa dele e quando você não tem um homem? Vai ficar jogado na cama por causa do quê? Fui treinar hoje e foi um treino duro. Meu corpo está bonitinho, consegui lançar o dardo a 35,55m, mas preciso me dedicar á base, perder um quilo de gordura localizada imediatamente para aí sim ter um homem? Daí não vieram imagens do cinema, vieram canções; Jeff Buckley agonizando “It’s you I been waiting my life to see? It’s you I been waiting my life to see?” (Jeff morreu afogado no Mississipi aos 27 como todos sabem) ou Bowie cantarolar, Bowie sobre o que eu acho sobre meu homem, onde ele está: “There’s a starman waiting in the sky / He’d like to come and meet us / But he thinks he’d blow our minds / Let the children lose it / let the children use it / Let all the children boogie / lá lá lá lá… lá lá lá lá…


XOXO